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25 de julho de 2017

A dor na mulher e no homem - discrepância no reconhecimento e tratatamento

Não se trata de nenhum texto feminista, mas hoje tropecei num texto, que me levou a outro e mais outro e resolvi escrever sobre o assunto, em português. Já tive oportunidade de o dizer várias vezes que, de todos os técnicos e terapeutas pelos quais tive que passar, nunca fui menos bem tratada ou menosprezada, sobretudo pelo facto de ser mulher. Mas a verdade e a generalidade, infelizmente, nem sempre é assim.

Por brincadeira dizemos que os homens, se tal fosse possível, não suportariam as dores de parto. E que por norma, são mais "queixinhas" que as mulheres (repito, que isto não é um texto feminista) e que com uma simples constipação, estão com os pés virados para a cova. As mulheres por outro lado, são conhecidas por serem mais resistentes à dor. Mas será que isto não é uma faca de dois gumes? Ora, se por um lado, as mulheres são tidas como mais resistentes à dor, essa dor não deveria ser levada a sério? Ou será que por sermos mais resistentes, temos é que levar com ela e de cara alegre?


Existem diversos estudos que colocam a nu a diferença no tratamento da dor em doentes do sexo feminino e masculino. No estudo levado a cabo pelos professores de direito da Universidade de Maryland, Diane Hoffman e Anita Tarzian, "The girl who cried pain", juntaram mais de 100 estudos através dos Estados Unidos que demonstram a descriminação das mulheres aquando do tratamento recebido para combater as suas dores. Por exemplo, num estudo com doentes de cancro metastizado, as mulheres foram 5 vezes mais negligenciadas nos seus sintomas comparativamente aos homens. Num estudo com 366 doentes com SIDA, os homens receberam tratamentos mais adequados do que as mulheres. Num estudo sobre cirurgias abdominais, os médicos passaram menos analgésicos a mulheres do que a homens. Outro estudo, revela que enquanto que os homens são medicados com narcóticos para tratar as suas dores, as mulheres são medicadas com sedativos. Da mesma forma, as mesmas pesquisas demonstram que os pacientes do sexo masculino recebem constantemente mais tempo e atenção de profissionais médicos do que pacientes do sexo feminino com exactamente os mesmos sintomas. Num teste para examinar este preconceito de género conduzido por D. McDonald e R.G.Bridge em 'Estereótipos de género e cuidados de enfermagem', as enfermeiras receberam vinhetas com pacientes imaginários, listando os seus supostos sintomas e histórico médico. As enfermeiras foram então convidadas a calcular quanto tempo o paciente exigiria para tratamento e suporte emocional. Os pacientes do sexo masculino receberam consistentemente mais tempo, mesmo quando tiveram os mesmos sintomas e antecedentes que os pacientes do sexo feminino.

Histeria (do francês hystérie e este, do grego ὑστέρα, "útero"). O termo tem origem no termo médico grego hysterikos, que se referia a uma suposta condição médica peculiar a mulheres, causada por perturbações no útero, hystera em grego. O termo histeria foi utilizado por Hipócrates, que pensava que a causa da histeria fosse um movimento irregular de sangue do útero para o cérebro. Essa parece ser uma das razões da existência do equivoco de que as mulheres são mais emocionais, logo mais irracionais. Mas nos tempos modernos, onde a informação viaja à velocidade de um click, já é tempo que se mudem mentalidades.

Esses mesmos estudos demonstram que baseado nesse preconceito, nos hospitais, a dor nas mulheres é relativizada, as mulheres recebem menos tempo de tratamento e são alvos mais fáceis para diagnósticos errados, precisamente porque a sua dor é considerada como emocional. E isso acontece, mesmo depois de se provar que as suas dores têm razão de ser. Uma pesquisa levada a cabo por J. Crook e E. Tunks à qual deram o nome de "Women with Pain", confirma que as mulheres com condição de dor crónica têm mais probabilidades de serem mal diagnosticadas com perturbações mentais do que os homens, e são-lhes receitados mais drogas psicotrópicas, uma vez que os médicos relacionam os seus sintomas com histeria.

Esta confusão errada com a saúde mental acontece devido aos estereótipos sexistas de que as mulheres são "irracionais" ou "emocionais", o que significa que os médicos acham mais fácil acreditar que as expressões de dor das mulheres não têm base física. Por outro lado, os homens são vistos como mais racionais e quando dizem que estão a sentir dor aguda, os médicos tomam seus sintomas a sério como tendo uma causa física, em vez de assumir uma base emocional.

A divisão de género no diagnóstico traz sérias implicações no tratamento, o que significa que homens e mulheres recebem cuidados diferentes em hospitais pelas mesmas condições e sintomas. A pesquisadora Karen Calderone descobriu que quando homens e mulheres têm os mesmos sintomas, as mulheres são mais propensas a receber sedativos como tratamento, em vez de drogas para aliviar a dor. Isso sugere que elas são tidas como sendo mais "ansiosas" em detrimento da dor que realmente sentem e os médicos se concentram em canalizar as mulheres para um estado "calmo e racional" em vez de aliviar a sua dor real.

Isto comprova como a sociedade se sente desconfortável com as mulheres "emocionais" e procura inibir o seu comportamento caótico através da sedação, em vez de abordar a verdadeira causa da sua angústia. Significa que as mulheres ficam com dor severa por mais tempo do que os homens, pois os sedativos podem fazê-las parecer mais calmas do lado de fora, enquanto continuam a sentir a dor de forma aguda. Por essa razão ficam em desconforto extremo por períodos mais longos e podem demonstrar sintomas sérios relacionados a outras condições que podem passar despercebidos e não diagnosticados, pois estão demasiado dormentes e calmas para que os mesmos médicos possam lhes dar importância.

Outra tendência perturbadora nas pesquisas médicas, descobriu que em determinados casos, quanto mais atraente for a doente, menos tratamento ela recebe. No trabalho de pesquisa "Beautiful Faces in Pain", T. Hadjistravropoulos descobriu que devido ao estereotipo de que "o belo é mais saudável", os médicos subconscientemente assumem que pessoas que parecem "melhores" por fora, são mais saudáveis ​​e, posteriormente, exigem menos tratamento. Como o sexismo nas hierarquias de pessoal significa que os homens são mais propensos a ser os que ocupam posições seniores que tomam decisões sobre os pacientes e os homens são predominantemente heterossexuais, é possível subestimar a dor das mulheres devido a esse preconceito de "atractividade".

O mundo clínico há muito que se orgulha de proporcionar imparcialidade e objectividade em comparação com outras áreas da vida devido à dependência de factos objectivos e científicos. Mas a quantidade emergente de pesquisas nesse campo sugerem que o sexismo pode ser perpetuado em salas hospitalares e salas operacionais, tanto quanto em qualquer outro lado da sociedade e uma barreira real para as mulheres que procuram os cuidados de saúde.

Autora e professora na Northeastern University e também ela doente crónica, Laurie Edwards publicou um artigo no "The New York Times- The Gender Pain Gap", muitas vezes usado como referência neste tipo de tópicos. Nomeando várias pesquisas e estudos, a Dra. Edwards conclui que além de todos estes preconceitos, as mulheres que sofrem de Fibromialgia ou de Síndroma de Fadiga Crónica, ou de outros problema de saúde não visíveis e para os quais não há nenhum exame específico para o seu diagnóstico, ainda são mais descredibilizadas. Por inúmeros factores, os médicos apressam-se a diagnosticar uma mulher com Fibromialgia quando se depara perante um quadro menos claro de sintomas. É mais fácil "catalogar" com uma doença que apresenta sinais muitas vezes dúbios e/ou pouco consistentes, do que continuar a estudar o paciente que tem à sua frente e perceber o que de facto está errado na sua saúde. Por essa razão também, tem aumentado o cepticismo na legitimidade deste tipo de condições físicas. 

As pesquisas concluem que diferenças entre homens e mulheres existem na experiência da dor, com as mulheres a relatar e a sentir dores mais frequentes e mais intensas. No entanto, ao invés de receber um tratamento em conformidade ou pelo menos tão eficaz para a dor como acontece com os homens, as mulheres são mais propensas a serem menos bem tratadas do que os homens pelos seus sintomas dolorosos. O foco da medicina em factores objectivos e seus estereótipos culturais de mulheres combinam de forma insidiosa, deixando as mulheres em maior risco no alívio da dor e sofrimento contínuo. É urgente haver uma maior consciência entre os prestadores de cuidados de saúde, um reajuste da preocupação da medicina com factores objectivos através da educação sobre abordagens alternativas e o escrutínio por qualidade e revisores éticos dentro das instituições de saúde. A voz da mulher quanto ao tratamento da dor, deve ser ouvida tal qual ela é.

Fontes: